10/01/11

A TEOLOGIA PASTORAL: IDENTIDADE E MÉTODO

Ramiro Pellitero - TEOLOGIA PASTORAL, PANORÁMICA E PRESPECTIVAS, Uma eclesiologia prática ao alcance de todos - Grafite Ediciones, Bilbão 2006 – Cap. II: Unidade da Teologia e Teologia Pastoral, A teologia pastoral: identidade e método, pag. 90-111

 A mensagem de Cristo só passa e só se conhece verdadeiramente quando é vivida. Não bastam os saberes teológicos e eclesiais. Contudo, entre estes dois há uma grande ligação que se manifesta no centro da teologia pastoral.

A “teologia pastoral”, ciência teológica da acção e da edificação da Igreja
A “teologia pastoral” pode ser conhecida como teologia de acção eclesial. Portanto, reflecte teologicamente sobre a acção da Igreja que leva à sua “edificação”. Isto implica fazer uma relação com outras disciplinas e expor o seu método. A denominação “teologia pastoral” realça a ideia de que todos os cristãos formam a Igreja e são responsáveis por esta, tendo como guia os Pastores. Assim sendo, a teologia pastoral, actualmente, é considerada uma “teologia prática”.
 
A teologia pastoral como “teologia prática”
Toda a teologia tem uma dimensão prática ou pastoral. A teologia pastoral é prática porque é teologia e tem em si a prática do amor cristão que se manifesta através da Igreja. Da teologia ainda fazem parte, como disciplinas, a teologia moral e a pastoral, portanto tem um sentido espiritual e, ao mesmo tempo, prático. A associação da “pastoral” à “prática” aproxima a “pastoral” do pragmático ou funcional. Por isso, ainda há dúvidas em relação à sua terminologia, se “teologia pastoral” ou “teologia prática”.
Segundo São Tomás, a teologia é especulativa porque trata mais de Deus do que da acção do homem. Contudo, também é prática porque estuda o homem que, através da sua obra, chega ao conhecimento de Deus.
Por outro lado, as ciências humanas e sociais são importantes quando aplicadas à teologia e ao diálogo entre estas e outras ciências humanas, no sentido em que ajuda a encontrar motivações e finalidades práticas no campo da acção pastoral.
A teologia pastoral permite à teologia prática o reconhecimento de algumas condições, nomeadamente o respeito pelos pastores e catequistas, a necessidade de reflexão para verificar na prática a vivência da fé, a manifestação do Espírito Santo e ajudar a Igreja na sua missão.

Identidade da teologia pastoral
A pastoral está em constante mudança entre os projectos e a missão divina que lhe compete transmitir. Contudo, essa missão é concretizada através da Palavra de Cristo e da acção do Espírito Santo. Esta é a base da teologia pastoral e da Igreja, que assenta na Santíssima Trindade, como primeiro grande passo para a fé. Assim, o fundamento primeiro da acção da Igreja e dos próprios cristãos nela é a união com Cristo, a vida espiritual e o compromisso. Assim, os cristãos identificam-se com Cristo e põe em prática a sua missão na Igreja, através da vida de santidade, do compromisso e da oração.
A teologia pastoral deve analisar a missão da Igreja de acordo com a época em que se insere, tendo em conta as várias condicionantes: cultura, economia, tradição, localização… Portanto, esta análise vai desde as questões mais básicas às mais práticas.
A teologia (pastoral ou prática) da acção eclesial é tudo aquilo que a Igreja faz (catequese, a liturgia…) a partir dos sacramentos, através da acção de Cristo e do Espírito Santo. Só Eles divinizam a Igreja e a acção dos cristãos nela. Segundo João Paulo II, a teologia pastoral deve ser uma reflexão diária da identidade da Igreja na sua vida quotidiana através da força do Espírito. Pode ainda ser uma reflexão sobre a acção da Igreja como família que Deus quer formar com todos, na perspectiva de Bento XVI.
A igreja não se edifica sozinha, mas vai-se renovando através de Cristo e do Espírito Santo.

A teologia pastoral em relação com outras disciplinas
A teologia pastoral relaciona-se com outras disciplinas, nomeadamente a teologia fundamental, a teologia moral, a teologia espiritual e o direito canónico.
Vamos, apenas, apresentar a sua relação com duas: a teologia dogmática e a teologia espiritual.
A teologia pastoral relaciona-se com a dogmática na medida em que professam uma só verdade, a verdade salvífica e libertadora anunciada por Cristo. Logo, estas duas teologias não existem separadamente, mas uma na outra, porque uma verdade que não foi anunciada por Cristo não pode ser uma acção eclesial.
Teologia pastoral e a teologia espiritual são inseparáveis. A vida espiritual é uma aspiração à comunhão com toda a humanidade, não é algo individual. Ajuda o homem a tomar consciência da sua dignidade e do seu valor divino, por isso, tem necessariamente lugar no seio da Igreja.

O método da teologia pastoral. O discernimento eclesial
Para o desenvolvimento da teologia pastoral é necessário ter em conta vários aspectos: culturais, históricos, tradição da Igreja, entre outros. Esta teologia deve ocupar um posto de vanguarda.
 
Método da disciplina
Há quatro elementos fundamentais do método teológico pastoral:
  1. A teologia da acção;
  2. A acção da Igreja;
  3. Discernimento dos sinais do tempo;
  4. O diálogo com as ciências humanas.
Analisando os dois primeiros, podemos dizer que a teologia da acção só é importante na medida em que se relaciona com a acção da Igreja, a vida dos cristãos.
A acção da Igreja é a prática da teologia, por isso, teologia e acção não se devem separar. A acção dos cristãos é o fruto da sua consciência de “ser Igreja”.
Uma acção é “acção da Igreja” quando:
  1. Se trata de um exercício hierárquico (actos oficiais e institucionais da Igreja);
  2. Quando é uma acção de um “cristão em graça” – através da oração, por exemplo – ou seja, é uma acção da Igreja porque é praticada por um membro vivo do Corpo de Cristo.
Contudo, a acção eclesial pode e deve ser sempre melhorada, mas a prática não é sinónimo de uma vivência da verdade revelada. A teologia pastoral utiliza tanto o método dedutivo (de tais princípio deduz-se tal acção) como o indutivo (a situação histórica interpela a inteligência do crente para que saiba como melhora-la).
Em relação ao terceiro aspecto, o discernimento é um método através do qual a Igreja estuda a história (os sinais dos tempos) para exercer com eficácia a sua missão de salvação do mundo. Para tal, e de acordo com a Gaudium et Spes, deve ler e interpretar esses sinais à luz do Evangelho, sempre actual. É uma tarefa da própria Igreja e de todos os crentes (toda a comunidade cristã). Esta interpretação deve versar sobre a acção do Espírito Santo na Igreja e durante a história do mundo.
O quarto aspecto mostra-nos a importância da teologia pastoral em manter um diálogo com as ciências humanas, salientando o aspecto existencial. Neste diálogo, a teologia deve mostrar que só contando com Deus é que as acções das pessoas são valorizadas com êxito.
Ao reflectirmos sobre a acção da Igreja e da existência humana, estamos a tornar a teologia pastoral na disciplina teológica que é.

A reflexão sobre a acção humana é marcada por três aspectos:
  1. Análise e valorização da situação e do contexto em que se insere;
  2. Projecto como identificação de objectivos a cumprir para a acção pastoral;
  3. Programação, ou seja, verificação dos recursos necessários para e execução do projecto (pessoas, meios, matérias…).
Em cada uma destas fases há critérios racionais (ciências humanas) que se articulam com a fé. Estes critérios devem estar sempre presentes quando se pretende desenvolver um projecto pastoral. A Igreja pede para que a graça do Espírito ilumine e acompanhe todas as acções, para que o principal meio e fim seja sempre Deus (e para que os filhos nascidos pelo Baptismo expressem as suas obras de fé através do amor).
Resumindo, para que a missão do Verbo e do Espírito seja cumprida, temos de dar lugar à oração, à santidade: esta é uma base da vida cristã. Os planos pastorais são fruto do conhecimento eclesial que acontecem em períodos muito variáveis.

O discernimento eclesial: atitudes e dinâmica
O discernimento eclesial é a principal manifestação do método teológico-pastoral. A Igreja, os cristãos e a dinâmica devem ter em atenção certas atitudes que são fundamentais.
  1. Na Igreja, o discernimento verifica-se em atitudes fundamentais: a reflexão sobre a fé baseada no Evangelho, o serviço aos homens mais necessitados e a experiência que ela própria vai acumulando (atendendo aos sinais dos tempos).
  2. Nos cristãos o discernimento implica ser sensível ao Espírito Santo e deixar que Deus nos oriente através da Sagrada Escritura. Enquanto acto de fé, o discernimento deve ser uma construção do Corpo de Cristo que se faz tanto pessoalmente, como em comunidade, tendo sempre presente a ajuda do Espírito Santo.
  3. Assim o discernimento implica:
    • Disponibilidade e desprendimento de si próprio como busca da vontade divina;
    • Oração e conversão como resposta à Palavra de Deus;
    • Estudo e reflexão para interpretar os sinais dos tempos à luz da Sagrada Escritura;
    • Diálogo fraterno para valorizar os dons de todos;
    • Obediência filial aos Pastores e Bispos;
    • Fidelidade renovada e iniciativa na pastoral, no apostolado, na cultura e na sociedade.
    1. Na dinâmica ou modo de proceder do discernimento há várias variantes:
      • Apresentação do tema em questão;
      • Oração pessoal e em comunidade;
      • Estudo e reflexão pessoal;
      • Escuta das opiniões de todos e diálogo sobre as propostas;
      • Intervenções adequadas e relacionadas com o tema;
      • Exposição das conclusões;
      • Debate final;
      • Tomada de decisão. Esta última não pode ser através da maioria, mas sim de acordo com a realidade, o contexto, as necessidades da Igreja e o bem comum. A decisão pode ser tomada mais tarde. 

      Raul de Oliveira Fernandes

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