27/05/10

MANDAMENTO DO AMOR VS AMOR AO MANDAMENTO

Aceitando que “o amor não pode ser mandado”, e sabendo que o Primeiro Mandamento nos propõe precisamente “Amar a Deus sobre todas as coisas”, a partir deste texto de Bento XVI, faça uma pequena reflexão sobre o significado dos Mandamentos como proposta de vida para um cristão. Esta foi a proposta do Pe. Jorge Barbosa para uma reflexão a propósito de uma ficha formativa do curso geral de catequese, que decorre em Melgaço.

Partilho com o leitor uma possível resposta... Espero que mais colegas o façam. Fica o desafio!...

Este aparente paradoxo é um bom ponto de partida para reflectir sobre o «Mandamento do Amor», vivendo como vivemos, numa sociedade também ela paradoxal. Paradoxal porque, nomeadamente, i) quer tudo gratuito mas, ao mesmo tempo, sente-se na obrigação de tudo pagar e não aceita o perdão como dom gratuito de Deus; ii) tem um fascínio pelas terapias (psicólogos, terapias de grupo, etc,) mas vive na ilusão da auto-suficiência, do ser-para-si.
Mas, centremo-nos novamente no amor. Se este não pode ser mandado, como podemos chamar-lhe mandamento?! Antes de mais, o mandamento não pode, nem deve, ser encarado numa perspectiva jurídica terrena, mas antes – como reconhece o enunciado – como uma proposta… De AMOR!
Partindo desta base é possível afirmar que Deus não nos «obriga» a fazer nada. Propõe-nos, isso sim, um caminho. A incarnação de Jesus Cristo é a prova cabal do amor de Deus pelos homens e, nessa medida, a única dívida que devemos ter uns para com os outros é o amor, como diz S. Paulo (cf. Rm 13, 8). A vinda do Salvador é, portanto, a revelação plena de Deus, do Amor e, logo, i) aqueles que viram dão testemunho e o seu testemunho é verdadeiro (cf. Jo 19, 35) ou ainda ii) felizes os que acreditam sem terem visto (cf. Jo 20, 29). O cristão deve caminhar pela fé e não pela visão (cf. 2Cor 5, 7).
Por outro lado, se Deus é Amor (cf. 1 Jo 4, 8) e se o mandamento sobre o qual aqui reflectimos, em particular, é o de «Amar Deus sobre todas as coisas», então o aludido mandamento resume-se a «amar o Amor sobre todas as coisas». Tal como S. Paulo reconhece em Rm 13, 9-10, o amor não faz mal e amando cumprimos toda a lei. Ou como diria Santo Agostinho «ama e faz o que quiseres». Nisto se resumem os mandamentos e os nossos encontros com Deus.
A justiça de Deus é completamente diferente da dos homens. Daí que, sendo Deus a melhor definição de Amor, os mandamentos que Ele nos propõe decorrem, naturalmente, do amor e, como diz Bento XVI, este pode ou não existir. Não obstante, não é um sentimento alheio à humanidade; Ele faz-nos ver e experimentar o Seu amor, toma a iniciativa, e nós ou respondemos ou não.
Em suma, a proposta que os mandamentos nos fazem é a de amar sem limites. Com a consciência de que nunca poderemos corresponder plenamente ao Amor, mas também (e sobretudo) com a plena alegria da certeza de que por Ele, pelo Seu sangue, somos salvos  para a vida eterna, de forma gratuita, a qual [a forma gratuita] devemos ter a capacidade de aceitar. Por outras palavras, reconhecendo a infinita misericórdia de Deus devemos deixar-nos acolher por Ele, independentemente das inúmeras vezes em que não amamos o irmão, rosto visível de Deus, na medida em que é capaz de amar. De facto, só quem ama o irmão pode amar a Deus.
Não há amor sem perdão, nem perdão sem amor. Com efeito, o reconhecimento do perdão é fazer tudo para não voltar a pecar (amar, portanto). Reparar o mal que se faz é resultado do perdão e responsabiliza-nos.
Para finalizar e porque já me alonguei mais do que o previsto, a construção da sociedade ideal (ou, pelo menos, melhor, deixando as utopias de lado) só se consegue pelo amor. Na medida em que os cristãos não podem, nunca, jamais, sob pretexto algum, alhear-se da construção da sociedade a que pertencem, é absolutamente fundamental o conhecimento prático do Mandamento do Amor: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (Jo 13, 34).

Termino, com uma citação:
«(…) O amor nunca está «concluído» e completado; transforma-se ao longo da vida, amadurece e, por isso mesmo, permanece fiel a si próprio. Idem velle atque idem nolle — querer a mesma coisa e rejeitar a mesma coisa é, segundo os antigos, o autêntico conteúdo do amor: um tornar-se semelhante ao outro, que leva à união do querer e do pensar. A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio.» (BENTO XVI, Encíclica Deus Caritas Est, n. 17)

Eduardo Afonso

Sem comentários:

Enviar um comentário